domingo, 3 de novembro de 2013

Felizes sem filhos (parte I)

A Caroline Dutra, autora do blog Coordenada XY (que, aliás, vale MUITO a pena visitar), me enviou o link para esta ótima matéria do jornal Zero Hora sobre mulheres e casais sem filhos (obrigada!!!). Como é muito difícil encontrar matérias que abordem este assunto de maneira que não seja superficial e estereotipada, resolvi postá-la na íntegra aqui no blog mesmo, mas como ela é bem grande, vou postar por partes. Aqui vai a primeira de três.




Uma nova configuração social cada vez mais comum pode dar, em pouco tempo, um trabalhão danado aos publicitários. Eles terão que reinventar a velha fórmula do comercial de margarina (e de mais uma porção de produtos, desde alimentos até móveis e seguros de banco), já que cada vez mais mulheres e seus companheiros admitem que não pretendem ter filhos. E estão muito felizes com essa decisão. O modelo tradicional de família, no qual o casal obrigatoriamente procria, está na berlinda para muita gente.

Números comprovam o que se percebe no convívio social: casais sem filhos são cada vez mais numerosos. E, mais curioso ainda, o inverso se comprova. Dados do IBGE revelam que o número de casais com filhos vem caindo - uma queda discreta, é verdade, mas perceptível. O censo de 2010 diz também que o Rio Grande do Sul é o estado com mais casais sem filhos do país. Somente em Porto Alegre foram registrados mais de 8,6 mil na época do recenceamento.

Na prática, isso significa uma cena cada vez mais corriqueira: pessoas solteiras e principalmente casais com muitos anos de convivência que assumiram a decisão de não ter filhos. Argumentos em favor da maternidade são abundantes desde sempre. A continuidade do que somos, a realização dos sonhos frustrados dos pais, o amor incondicional possível somente quando se tem filhos, a necessidade biológica da reprodução, a companhia e o cuidado na velhice, enfim, motivos nunca faltaram no discurso coletivo. A diferença é que, de uns tempos para cá, os motivos para não tê-los também aparecem. Liberdade, individualidade, trabalho e absoluta ausência de instinto maternal estão entre as justificativas mais ouvidas.

O que parece uma tendência da modernidade tem explicações já identificadas pela ciência. O casal sem filhos, que há 50 anos não passava de uma anomalia social, hoje é observado por pesquisadores que rastreiam todo o tipo de explicação. Um dos exemplos mais esquisitos dessa corrida dos cientistas na busca de justificativas para a mudança no comportamento reprodutivo dos seres humanos vem da London School of Economics, que conseguiu encontrar uma conexão entre a inteligência das mulheres e a sua disposição em procriar. Segundo o estudo, quanto maior o Quociente de Inteligência da mulher, menor a vontade de ter filhos. A cada 15 pontos a mais no QI, cai em 25% o desejo de ser mãe.

Um dos primeiros estudos a questionar a premissa de que a maternidade traz indiscutível felicidade foi elaborado em 2004 pelo economista americano ganhador do Prêmio Nobel, Daniel Kahneman. Ele entrevistou mais de 900 mulheres no Texas e descobriu que a tarefa de cuidar dos filhos estava em 16º lugar, num ranking de 19 atividades mais prazerosas. Coisas como cochilar, falar ao telefone e rezar são consideradas mais divertidas. Uma outra pesquisa, feita em 2008 na Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, revela que a relação entre os casais esfria depois do nascimento dos filhos. Para as mulheres entrevistadas, a satisfação com o casamento caiu quatro pontos ao longo do primeiro ano do rebento.

A relação entre filhos e felicidade foi abordada de forma direta em uma pesquisa conduzida pela universidade americana de Wake Forest. Nos estudos, descobriu-se que os casos de depressão são mais frequentes em pais do que em pessoas sem filhos.

Recentemente, questões ecológicas foram evocadas para incrementar o debate. Em livro publicado nos Estados Unidos, o escritor Alan Weisman afirma de modo categórico que, ou a espécie humana desacelera as taxas de reprodução, ou comprometerá a própria sobrevivência na Terra. Countdown (Contagem Regressiva, em livre tradução), que ainda não tem tradução no Brasil, cita dados de cientistas, de governos e das Nações Unidas para alertar sobre o perigo que a superpopulação representa para a permanência do homem sobre o planeta.

Fato é que, com ou sem dados científicos, ter filhos já não é ponto pacífico, não é mais unanimidade, como no tempo da vovó. Não "tem que ter". A maternidade não é mais o único caminho para a felicidade da mulher e para a harmonia conjugal. Aumentar a família é, neste nosso tempo, uma questão de escolha, motivo de reflexão e, por incrível que pareça, muita polêmica.
Fonte: Jornal Zero Hora
Foto: Carlos Macedo / Agencia RBS
Reportagem: Patricia Lima
Fotos: Adriana Franciosi

2 comentários:

  1. É realmente impressionante como a maioria das pessoas reaje mal a esse assunto de "não ter" filhos. Inclusive pessoas que você considerava "esclarecidas", quando o assunto é filho parece que eles mudam a cabeça para serem "bitolados". Pessoas mais velhas você até espera uma reação ruim, mas pessoas jovens, aí é que eu fico perplexa.

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  2. Boa matéria! Mas como disse a Paula, "ter que ter filhos" ainda parece um tabu. Tabu esse alicerçado em supostos estudos científicos, como esse citado na reportagem, mas que só cita parte do resultado. Nele, diz que mulheres com QI mais alto teriam menos vontade em ser mães, mas no fim da vida se tornariam egoístas e perdedoras. Tal estudo foi feito por um tal Dr Satoshi Kanazawa. Acredito que, em relação ao QI, isso seja verdade, mas em relação a se tornarem egoístas com o tempo é puro preconceito com couraça científica. O que mais vejo, como afirma a Míriam Goldenberg, é um monte de mulheres, que se tornaram mães, já na terceira idade sentindo um vazio imenso, com uma sensação de abando por parte dos filhos.

    Patrícia Nunes

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